quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Transmissão de memórias por canibalismo
Esse caso é muito bacana mas vou começar pela forma como ele apareceu pra mim que é também interessante. Meu amigo Leo Morita uma vez me chamou a atenção pra uma história do Monstro do Pântano. Essa história originalmente diz que havia um cientista que após um acidente cai em um pântano junto com uma série de substâncias químicas e se transforma em tal ser. Tal história sofreu depois uma releitura por um dos maiores autores de quadrinhos chamado Alan Moore. Na versão psicodélica do Moore, o cientista cai no pântano cheio de substâncias químicas, morre e então o pântano absorve a sua mente levando à origem do Monstro do Pântano.
Só que na hora em que o Moore esta falando da absorção das memórias do cientista pelo pântano, ele se refere a um trabalho científico de verdade (é essa página ai em cima que é só clicar em cima pra ver maior). Neste trabalho, planárias são treinadas para associarem um estímulo luminoso a um choque. Assim, após alguns treinamentos, as planárias reagem como se fossem tomar um choque mesmo que só se acenda a luz. É um tipo de memória associativa. Ai então, os cientistas pegaram as planárias com suas memórias, fizeram picadinho delas e as deram de comer para um segundo grupo de planárias que nunca sofreram tal treinamento. A surpresa foi que o segundo grupo de planárias aprendia muito mais rápido! Esse aumento da velocidade é comparável ao de planárias que já haviam sido treinadas 24 horas antes. Eu pesquisei aqui pra ver o quanto esses experimentos foram levados a sério mas aparentemente foram ignorados desde os anos 60. Mas será que está é uma história completamente impossível?
Bom, a resposta pra essa pergunta é que não tem resposta. Mas calma, vou tentar convencer vocês a não desistirem da veracidade dessa história. No final dos anos 90 foi descrita uma nova classe de moléculas chamada RNAs de interferência. Esses RNAs tem esse nome porque interferem com a expressão gênica ativando a degradação de RNAs mensageiros específicos. Cada RNA de interferência regula um RNA mensageiro com uma sequência específica. Não vou me deter aqui neste mecanismo mas a descrição deste levou ao prêmio Nobel de medicina de 2006 e vocês podem achar uma boa explicação aqui. Eu quero chamar atenção pra como as pessoas vem utilizando estas moléculas no animal em que elas foram descobertas, o nematôdo C elegans. Uma das formas de colocar um RNA de interferência dentro desse bicho, pra inibir a expressão de um gene, é dar pra ele comer bactérias que produzam esta molécula. Caramba, então esses RNAs aguentam o ambiente do trato digestivo do C elegans e são absorvidos por suas células. Isso quer dizer então, que eu posso dar pra ele comer um RNA de interferência que é produzido normalmente em neurônios fazendo memória. E ai, de alguma forma, que ninguém sabe qual, essa molécula vai parar no neurônio de quem a comeu. Isso é, a planária treinada pode ter produzido um RNA de interferência em seus neurônios que depois foi absorvido pelo organismo da planária que comeu seus restos mortais. Esse RNA absorvido pode ter ido parar nos neurônios da planária canibal. E esses neurônios tiveram alguns genes silenciados como se estivessem aprendendo alguma coisa.
Bom gente, é duro jogar o balde de água fria agora mas vocês devem ter em mente que isso pode ser a maior viagem. Mas que a história é legal é. E se isso se confirmar um dia vai ter diversas implicações. Imagina o iogurte com bacilos que produzem um RNA de interferência que inibe um gene relacionado à obesidade. Ou então se descobrem que comer o rival depois de uma batalha realmente faz o canibal absorver certos poderes do seu oponente.
Para saber mais:
Um video bacana mostrando um modelo de estudo de mecanismos de formação de memórias em um molusco.
A história do monstro do Pântano se chama "Lição de Anatomia" e é o número 21 de "A Saga do Monstro do Pântano".
Kartry e colaboradores (1964) Planaria: Memory transfer through cannibalism reexamined. Science 146:274-275.
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2 comentários:
Poxa, cara....eu me lembro dessa série do monstro do Pantano...e me recordo sim desse lance das planárias...Só não sabia que era uma referência a um trabalho científico original...mas de qualquer forma, ciência para mim naquela época não era muito diferente do que o kit do "pequeno alquimista" poderia proporcionar...lol.
Parabéns pelo Blog, Dudu.
Eu sou esotérico.E os esotéricos diziam isso mais ou menos em relação ao consumo de carne e que os nossos sistemas digestivos não conseguiam digerir algumas coisas do "corpo emocional" do animal.E logo pegamos de alguma forma hábitos do animal.
Existem histórias esotéricas muito pesadas sobre o canibalismo.Os indios e algumas tribos africanas também tem estas ideias.
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