domingo, 30 de maio de 2010

Se plantar transgênicos o gene fica ali?


No Brasil e no mundo cresce o cultivo de plantas transgênicas, aquelas que tiveram genes introduzidos por engenharia genética. Em teoria, o uso destas plantas é aprovado após analisadas mudanças nas substâncias que elas produzem. A intenção é saber se estas podem causar mal àqueles que a consomem. Porém, um novo trabalho que mostra a transferência genética entre espécies de planta traz uma nova crítica. Nós não sabemos onde o gene introduzido vai parar.

Plantas transgênicas são todas aquelas que tiveram material genético não pertecente à sua espécie introduzidos ao seu DNA. Este novo material genético geralmente contém um ou mais genes que melhoram a sua produtividade. Este gene pode aumentar um hormônio vegetal que está envolvido no acúmulo de nutrientes, por exemplo, e os tomates ficarem mais gordinhos. Mas a maioria das linhagens cultivadas hoje em dia receberam genes envolvidos com a resistência ao uso de herbicidas. Assim, os fazendeiros podem utilizar mais destas drogas sem matar as plantas que eles querem produzir. Mas quando pensamos nos genes dentro de um organismo, como nós, geralmente pensamos que estes são propriedade dele náo é? Nós não pensamos que nossos genes vão sair passeando por ai.

Só que não é bem assim. Quando comemos um alface, os genes daquele alface vão parar também no nosso intestino. E se de alguma maneira os genes do alface entrarem em uma célula do seu intestino? Na relação com microrganismos e vírus a coisa fica ainda mais promíscua. Estes vivem entrando em células por ai e com certeza trocam muito material genético nestes processos. Mas o que Yoshida e colaboradores mostraram num artigo publicado esta semana na Science foi que plantas trocam genes entre si. Assim, nós não podemos garantir que os genes introduzidos por nós em cultivos não vão parar em espécies da natureza. Esses caras estudaram uma planta parasita, S. hermonthica, que ataca algumas plantas cultivadas, como o arroz (olha lá em cima a planta roxa atacando uma plantação de milho). Daí eles procuraram por sequências genéticas típicas do grupo ao qual esses cultivares pertencem (mas não S. Hermonthica), as monocotiledôneas. E foi batata. Opa, bem, não exatamente batata. Eles encontraram um gene de monocotiledônea na S. Hermonthica, que é uma dicotiledônea.
Agora imaginem se uma planta parasita dessa rouba justamente o gene de resistência a herbicidas. Vai virar um super parasita que não morre com herbicida. É primordial agora saber o quanto essas transferências são frequentes.

A liberação do cultivo de transgêncios no Brasil é centralizada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, CTNBio. Ao meu ver, esta aprovação deveria ser melhor discutida com outras entidades, como o IBAMA, a EMBRAPA e a comunidade acadêmica. A lei de biossegurança contém também a regulação sobre o uso de células tronco. Uma bizarrice. O uso de transgênicos em cultivos vegetais merece uma discussão separada. A falta de discussão sobre assuntos de tal importância sempre gera erros em tomadas de decisão. O cultivo de soja no Brasil, por exemplo, tem a caracetrística de ser feito muito próximo a grandes áreas protegidas (que muitas vezes são até derrubadas pra dar lugar ao cultivo). Qual será o impacto da troca de genes entre a soja transgênica e espécies nativas? Até agora ninguém sabe.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Porque lamarckista? Parte 1: Linnaeus e o fixismo


Vocês devem estar se perguntando porque esse cara chega, cria um blog pra falar um bando de coisas doidas de biologia, diz que é lamarckista e nem explica porque. Então resolvi escrever uma série de textos sobre a história do pensamento evolutivo pra tentar chegar ao porque da idéia de que o Lamarck estava errado e se contrapunha a teoria de Darwin, interpretações erradas ao meu ver. Nesse primeiro vou tentar descrever como era a situação antes do Lamarck publicar o “Philosophie zoologique” em 1809.

Eu não sei quanto a vocês, mas eu sempre achei que antes da idéia de evolução a tradição bíblica havia induzido ao pensamento de que as espécies foram todas criadas de uma vez só e que eram entidades fixas (não mudam). Pois é, mas acontece que até o século 18 os conceitos de geração espontânea e transmutação eram incrivelmente bem aceitos. Nos séculos 16 e 17 era comum encontrar relatos como os que diziam que a girafa era o produto do cruzamento de camelos e leopardos. Santo Agostinho assumia que as espécies não deveriam ter sido criadas durante os seis dias do "Gênese". Durante este período somente um potencial se formaria e as formas apareceriam muito depois. Autoridades do clero, como Albert the Great, acreditavam que deus havia conferido poderes aos elementos, como a terra e as águas. Estes teriam então gerado as diversas formas de vida em tempos diferentes. E essas formas eram capazes de reproduzir-se. Santo Tomás de Aquino admitiu que “...novas espécies de animais são produzidas por putrefação, pela força que as estrelas e os elementos receberam no início. Novamente, animais de novos tipos aparecem ocasionalmente da conexão de indivíduos pertencentes a diferentes espécies...”

Então pensem bem, imagina desenvolver uma teoria evolutiva no meio dessa bagunça onde as espécies se transformavam em outras, cruzavam entre si formando híbridos e eram geradas de matéria inanimada. Impossível. Então a descoberta do fixismo das espécies no meio do século 18 representou uma novidade. Só depois que este conceito foi aceito pelos naturalistas este também foi incorporado como uma interpretação literária da bíblia pelo clero.

Dentre as observações de transmutações estavam as que plantas quando mudadas de ambiente se transformavam em plantas completamente diferentes morfologicamente. Este fenômeno acontece mesmo. Existem diversas espécies de Mata Atlântica, por exemplo, que conseguem se estabelecer em restinga ou mangue. Mas para isso passam por diversas modificações morfológicas. O que o Linnaeus e outros fizeram no século 18 foi realizar transplante e re-transplante de plantas entre ambientes para mostrar que estas não estavam se tornando outras espécies. Então, o fixismo era não só uma novidade como também um progresso cientifico!

O Linnaeus também foi importante por ter gerado o primeiro sistema de classificação dos seres vivos, o sistema binomial. Inclusive o nome de nossa espécie, Homo sapiens, foi por ele dado. Este sistema já utilizava a classificação de grupos maiores e menores, reino, classe, ordem gênero e espécie. Houveram outros sistemas antes mas o interessante do Sistema Natural, como o Linnaeus o batizou, foi ser o primeiro não antropocêntrico. Assim, nós fomos classificados neste sistema assim como qualquer outra espécie. A classificação que utilizamos hoje é fruto de releituras do Sistema Natural do Linnaeus.

O próprio Linnaeus assumia que os critérios para classificação que ele usava eram artificiais, não refletiam uma relação real entre os organismos. O Linnaeus era criacionista, acreditava no design inteligente das espécies por um deus. Quem sacou a relação genealógica entre os organismos foi o Lamarck. Aqui está, então, a primeira razão porque todos nós somos lamarckistas. No próximo texto eu vou me deter mais ao que o Lamarck disse.

Fontes:
Amundson R (2005) The changing role of the embryo in the evolutionary thought. Cambridge University Press.

Gould S.J.(1995) Dinossauro no Palheiro. Companhia das Letras.
Em especial o capitulo “Linnaeus e o avô de Darwin”

Zirkle C. (1959) Species before Darwin. Prooced. Am. Philos. Soc. 103:636-644.