sábado, 29 de outubro de 2011

Ivan Ivanovich Schmalhausen e a dura vida da biologia evolutiva durante o regime comunista da União Soviética


Quando eu escrevi o texto sobre o Waddington (leia aqui), fui alertado por meu querido amigo Ricardo Iglesias Rios que deveria também ter falado do Schmalhausen já que os dois estavam falando das mesmas coisas ao mesmo tempo. E a razão para tal injustiça é muito simples, eu nunca havia lido um texto original do Schmalhausen (que pronuncia Schmalgausen segunda minha amiga russa aqui no laboratório, Olga Balashova). Então aqui vou escrever sobre as ideias que o Schmalhausen publicou e porque essas ideias de um cara que estava tão a frente do seu tempo se perderam no tempo e são praticamente inacessíveis hoje em dia.


Existem muito poucos textos traduzidos deste autor. O seu único livro traduzido para o inglês chama-se “Fatores da evolução: A teoria de seleção estabilizadora”. Este também não é um livro muito fácil de achar. A rede de bibliotecas da Universidade da Califórnia não o tem mas acabei encontrando pra vender na internet. Ele foi publicado em 1946 na União Soviética e a tradução pro inglês foi publicada em 1949. Naquela época, a síntese neo-darwinista ignorava o papel da embriologia para a evolução. A teoria de herança mendeliana tinha muita força e já que os alelos davam origem ao fenótipo, seja lá o que acontecesse durante o desenvolvimento seria somente a leitura de uma mensagem pré-estabelecida. O grande conceito introduzido por Schmalhausen neste livro, como o próprio título diz, é o de seleção estabilizadora. Dei-me a liberdade de traduzir um trecho aqui:


“As seleções dinâmica e estabilizadora sempre atuam juntas. Por um lado, o ambiente externo muda gradualmente mas continuamente de maneira que o papel dinâmico da seleção e as variações herdáveis da norma possam ser detectadas. Por outro lado, o lento processo de seleção estabilizadora está o tempo todo causando surgimento de mecanismos reguladores que protegem a norma de distúrbios por influencias externas.”


Isso é, para ele, durante a evolução podem haver dois tipos de pressões sobre um fenótipo, para que ele seja mais maleável e responsivo a mudanças externas ou mutações, ou que ele deixe de responder a estas variações através da criação mecanismos que garantam aquele caminho de desenvolvimento. Esse é o mesmo conceito que o Waddington propôs independentemente e chamou de canalização (veja aqui o post sobre o Waddington). Outra coisa importante é que para os dois, o Schamalhausen e o Waddington, existe uma seleção não só sobre o fenótipo mas sobre o processo de desenvolvimento desse fenótipo. O quão influenciável esse desenvolvimento é pelo ambiente ou variações genéticas varia ao longo da evolução. A discussão ao longo do livro sobre as implicações que a teoria traz é maravilhosa. Ali nasce o conceito de mutações escondidas. Quando um fenótipo está estabilizado, isso faz com que mutações se acumulem sem que o desenvolvimento seja afetado. Mas outra consequência é que há um acúmulo de variabilidade genética que pode ser mobilizado a qualquer momento em que o desenvolvimento seja pressionado a ser mais responsivo. O Waddington foi além e mostrou a mobilização dessa reserva através de alterações ambientais bruscas e a seleção de alterações, fenômeno que ele chamou de assimilação genética (veja o post sobre o Waddington). O “Factors of Evolution” é a primeira síntese que inclui Darwin, Mendel e a influência do desenvolvimento para a evolução.


Mas então, porque diabos ouvimos falar tão pouco desse autor tão visionário, tão a frente de seu tempo? Bom, acontece que o Schmalhausen vivia na União Soviética e a vida de um biólogo por lá não era lá das mais fáceis. Eu já ouvi diversas vezes que uma das consequências do capitalismo sobre o pensamento biológico ocidental foi a criação de um individualismo excessivo. Tudo para a biologia ocidental é a sobrevivência do mais forte até que atingimos o auge com a publicação nos anos 70 da ideia de que o importante mesmo é o gene e nós somos simples máquinas de replicar genes, o indivíduo dentro do indivíduo (a idéia é anterior na verdade mas ficou popular com “O gene egoísta”de Richard Dawkins). Isso tem tudo a ver com os conceitos capitalistas de liberdade individual e propriedade privada mas até então eu achava meio exagero (para ver mais discussão sobre isso leiam “Biology under the influence”de Lewontin e Levins). Pois é, mas não é que na União Soviética comunista aconteceu exatamente o contrário? Lá havia um tal de Lysenko. O Lysenko era um cientista de origem humilde, o que era muito valorizado pelo partido comunista que tinha como princípio substituir a elite intelectual russa por uma nova inteligência, vinda do proletariado. O Lysenko propôs o conceito de vernalização que era um método onde ele conseguia através do tratamento de sementes importadas, fazer com que qualquer planta crescesse nas frias condições russas através de um simples tratamento com frio. Mas a verdade é que o Lysenko inflava os resultados positivos e ignorava os negativos. A ideia de que ele conseguia impor a herança de um caractere adquirido às plantas cultivadas (a resistência ao frio) era oposta à ideia de herança genética. Assim, o Lysenko, que lá pelas tantas já tinha se infiltrado no partido e era muito forte politicamente, iniciou uma caça aos geneticistas. Segundo o próprio, estes acreditavam em “uma substancia hereditária mítica-endossada por Weissman com características de existência contínua, sem experimentar o desenvolvimento, e ao mesmo tempo controlando o desenvolvimento de um corpo perecível.” Este Weissman a quem ele se refere é o proponente da distinção gameta-soma onde a substância herdável está nos gametas e qualquer alteração em células somáticas não pode ser herdada (assim como a resistência ao frio através de um simples tratamento com frio). Em agosto de 1948, o ministro da educação superior da URSS assinou uma série de ordens que em resumo causou a destruição da disciplina genética naquele país. Nesta época, Schmalhausen era professor de darwinismo na Universidade de Moscou e diretor do Instituto pela Morfologia Evolutiva. Ele foi imediatamente demitido e teve seus livros e projetos científicos destruídos. Lysenko utilizou trechos do “Factors of Evolution” para se referir a Schmalhausen como um pro-Morganista (Morgan foi o primeiro a publicar uma síntese Darwin-Mendeliana), idealista genético. Diferente de muitos geneticistas de carreira que foram presos e/ou desapareceram, Schmalhausen era um morfologista e conseguiu se estabelecer novamente como pesquisador sênior Instituto de Zoologia da Academia de Ciências pesquisando anatomia e embriologia comparadas de peixes e anfíbios. Mas ele morreu em Moscou em 1963, antes de ver a queda de Lysenko em 1965 e a retomada da genética na União Soviética.


Talvez a introdução da biologia do desenvolvimento na síntese darwinista ainda não fosse acontecer naquela época, até porque o Waddington foi amplamente ignorado por décadas mesmo sem ser perseguido, demitido, preso ou coisa parecida. Esse é um bom exemplo de que a ciência não deve sofrer interferência de governantes. Boicotes por parte do governo podem ser mais mascarados como na distribuição de fomento. Apesar de hoje em dia ser amplamente aceito na comunidade acadêmica de que existe seleção sobre o desenvolvimento, nós continuamos cultivando quantidades enormes de sementes que são praticamente clones genéticos. Não existe reserva para condições adversas. O que nós fazemos é o contrário, tentar controlar as condições. Nós tentamos compensar a falta de adaptabilidade de nossas cultivares com uma corrida por invenção de pesticidas e transgênicos. Será que nossos governos capitalistas não estão fazendo a mesma coisa que o Lysenko fez, só que de uma forma mais velada? Através do controle do fomento à pesquisa que dá toneladas de dinheiro para o sequenciamento do genoma de um indivíduo de uma espécie? Será que as pessoas que tomam as decisões sobre a distribuição do dinheiro para a pesquisa possuem um bom conhecimento sobre biologia e a teoria evolutiva? Eu acho que não.

Referências:
A traducão para o inglês recebeu uma edicão em 1986 que é a que eu tenho. Nesta há um prefácio por David B. Wake que utilizei principalmente para o contexto histórico.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Breve histórico da epigenética

Olá,
Inicio com esse texto abaixo a publicação de textos de autores convidados aqui no blog. A primeira convidada é a Catarina F. Lira-Medeiros, pesquisadora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O convite para Catarina se deu pelo seu trabalho com a plasticidade fenotípica em plantas. Espero que vocês curtam e comentem!



A plasticidade fenotípica é a capacidade de um organismo ou grupo de organismos de se adaptarem às alterações ambientais. Nas plantas, que são sésseis, a plasticidade é um recurso muito importante para a sobrevivência de indivíduos ou populações principalmente nos dias atuais em que alterações ambientais, provocadas principalmente pelo Homem, ocorrem de forma desenfreada. Acredita-se que a plasticidade fenotípica esteja muito ligada às alterações epigenéticas do DNA, principalmente quando os indivíduos possuem pouca variação genética entre eles. Epigenética é o estudo das mudanças produzidas na expressão gênica causadas por outros mecanismos que não as mudanças na seqüência de bases do DNA, daí o nome do epi-(grego: επί-over, acima) -genética.

Em 1905, o geneticista britânico, Wiliam Bateson (1861-1926) cunhou o termo da genética como o termo relacionado à hereditariedade e variação dos organismos, baseado nos trabalhos de Gregor Mendel (1822-1884). Três décadas depois (1942), o geneticista, biólogo e filósofo Conrad Hal Waddington (1905-1975) definiu "epigenética" como "o ramo da biologia que estuda as interações causais entre genes e seus produtos, que trazem o fenótipo a ser". Quando Waddington cunhou o termo paisagem epigenética (“epigenetic landscape”), a natureza física dos genes e seu papel na hereditariedade não era conhecido, ele usou-a como um modelo conceitual de como os genes podem interagir com o ambiente para produzir um fenótipo. E demonstrou que as idéias de herança apresentadas por Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) poderiam, pelo menos em princípio, ocorrer. Dois posts anteriores são interessantes para aprofundar nas teorias de Waddington, que incluem a canalização e a assimilação genética. Todas esta teorias foram fundamentadas nos estudos de Lamarck sobre assimilação de caracteres adquiridos por informação ambiental (aqui os links para os dois posts 1 e 2)

Robin Holliday (nascido em 1932, nessa foto ai do lado) definiu epigenética como "o estudo dos mecanismos de controle temporal e espacial da atividade dos genes durante o desenvolvimento de organismos complexos". Assim, a epigenética pode ser usada para descrever qualquer coisa, que não cause alteração de seqüência de DNA, e que influencie o desenvolvimento de um organismo. Em 1975, foi proposto por Robin Holliday, junto com seu estudante John Pugh, e independentemente por Arthur Riggs, que a metilação do DNA podia ser um importante mecanismo para o controle da expressão gênica em organismos superiores. O DNA contém quatro unidades de informação: adenina, guanina, citosina e timina, conhecidas coletivamente como bases, e abreviado para A, G, C e T (veja a figura aqui em baixo, na esquerda). Mas uma quinta base é produzida através de alteração química, que é a metil-citosina (veja a figura abaixo, na direita). Holliday acreditava que a citosina metilada ou metil-citosina podia ter um papel importante no controle da atividade do gene. Também foi proposto que o padrão de citosina metilada poderia ser herdado através de divisões celulares. Na época não haviam evidências diretas sobre este controle da expressão gênica via metilação de citosinas e hoje isso tornou-se documentado como um mecanismo básico da epigenética para o silenciamento de genes.

Atualmente além da metilação de DNA, a modificação de histonas por acetilação ou metilação e os pequenos RNAs regulatórios são também considerados alterações epigenéticas. Os mecanismos que controlam a metilação do DNA e seus efeitos sobre os fenótipos têm sido investigados em plantas modelo, mas o seu impacto sobre a evolução de populações naturais é pouco explorado. Organismos interagem entre si e com seu ambiente abiótico, e através dessas interações adquirem informação epigenética, algumas das quais são herdadas. Ao contrário da variação genética, as mudanças epigenéticas, que geram fenótipos novos e herdáveis, podem representar alterações genômicas reversíveis que permitem colonizar ambientes variáveis e novas paisagens durante um processo evolutivo a longo prazo.


Para maiores detalhes:
Holliday R. (2006) Epigenetics A Historical Overview. Epigenetics 1:2, 76-80. (esse artigo vocês conseguem de graça aqui)

Jablonka E. & Lamb M.J. (2002) The Changing Concept of Epigenetics. Ann. N.Y. Acad. Sci. 981: 82–96). (e este também de graça aqui)

terça-feira, 31 de maio de 2011

Com que roupa eu vou?

“…Com que roupa que eu vou

Pro samba que você me convidou?
Eu hoje estou pulando como sapo

Pra ver se escapo desta praga de urubu…”
(Noel Rosa)

Nós sabemos que os organismos tem diversas modificações que são selecionadas pelo ambiente onde vivem. Mas quando o ambiente varia drasticamente regularmente estes podem ter diversos caminhos de desenvolvimento selecionados que são disparados nas diferentes situações, os chamados polifenismos. Para ilustrar esse fenômeno, escolhi falar das larvas de anfíbios que apresentam diversas alterações no seu desenvolvimento induzidas pelo ambiente. Os embriões de salamandras de Hynobius retardatus podem ou não dar origem a um girino com uma cabeça maior que as facilita para terem hábitos carnívoros (vejam na foto ai em cima o girino da direita). E esse Noel Rosa dos anfíbios muda de roupa de acordo com o samba. Acontece que os girinos desta espécie vivem em poças aonde estão outros girinos de outros anfíbios além de seus co-específicos. Quando a densidade destes girinos aumenta, seja por mais animais ou por menos água na poça, os embriões de H retardatus geram mais girinos carnívoros, canibais inclusive. Mas como os embriões sentem a densidade populacional ao redor? Michimae e colaboradores (2005) mostraram que a vibração das nadadeiras dos girinos ao redor dos embriões induz a formação de girinos cabeçudos carnívoros. E esse fenótipo pode ser induzido inclusive com o bater de nadadeiras falsas feitas de vinil. Assim, da mesma maneira que os fenótipos nesta espécie foram selecionados, também a sensibilidade a alterações ambientais sofreu seleção.

Essa coisa de mudar a cabeça é pra quando a festa tá boa mas às vezes a coisa pode ficar feia pro lado dos girinos dessa salamandra. Acontece que lá no Japão, nas poças aonde estes caras ficam, também tem uma larva de libélula que acha esses girinos bem apetitosos. Mas o grande lance é que as larvas de libélula tão do lado de fora d’água e ai quando tem muitas destas predadoras por perto os embriões desenvolvem brânquias maiores (vejam na foto o embrião da esquerda que foi criado na presenca de larvas de libélula) que possibilitam que estes malandros fiquem mais distantes da superfície e aguentem um ambiente com menos oxigênio (Iwami e colaboradores, 2007).

Já os girinos da rã Rana Pirica são a base da cadeia alimentar. Isso é, são comidos pelas larvas de libélula e pelos girinos de salamandra. Mas esses caras também desenvolvem um corpo mais fortinho na presença dos girinos de salamandra que evitam que estas os engulam, apesar de não conseguirem evitar serem engolidos pelas larvas de libélula. Ai acontece que o Japão é na verdade um arquipélago. Na ilha principal esses pobres girinos tem que se virar quando tem muito predador e desenvolvem esse corpo mais gordinho. E quando os girinos de salamandra desenvolvem o fenótipo cabeçudo carnívoro ai que os girinos de rã desenvolvem corpos mais gordinhos para evitar serem engolidos (Kishida e colaboradores, 2006). Mas então acontece que uma das ilhas japonesas, Okushiri, não tem salamandras! Essa ilha se separou da ilha principal, Hokkaido, a algumas dezenas de milhares de anos e só carregou as rãs. E ai? Será que depois de tanto tempo de moleza os embriões de rã conseguem mudar seus caminhos de desenvolvimento na presença dos girinos de salamandra? Pois é, os girinos de Rana Pirica que não viam girinos de salamandras há tempos ainda fazem corpos mais gordinhos quando se deparam com as tais mas nem de perto ficam tão gordinhos quanto os da ilha principal (Kishida e colaboradores, 2007). Mas mesmo assim é interessante que este possível fenótipo continue lá escondido durante todo este tempo refletindo a historia da população.

Vale lembrar que estas alterações são ativadas por gatilhos de desenvolvimento que foram selecionados e não de forma consciente porque os bichos quiseram ficar assim. Muito pouco se sabe sobre como embriões traduzem sinais em forma de vibrações em caminhos de desenvolvimento efetivos. Mas a falta deste conhecimento é uma boa demonstração de que não prestamos muita atenção na influência do ambiente sobre o produto do desenvolvimento dos organismos.

Leitura recomendada:

Existe um livro texto publicado recentemente com uma ótima discussão sobre polifenismos e suas consequências para a evolução, biologia da conservação etc. Chama-se "Ecological developmental biology" e tem como autores Scott Gilbert e David Epel.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Conrad Waddington e a herança de caracteres adquiridos


No século passado, um movimento de cientistas uniu as idéias provenientes dos trabalhos de Mendel, que mostravam o padrão de herança dos alelos na determinação do fenótipo, e da teoria da seleção natural de Darwin. Então, segundo esta que foi chamada de síntese neo-darwinista (ou síntese moderna), alterações nos alelos gerariam modificações nos organismos que então passaraim pelos mecanismos de seleção. Com o passar dos anos e o avanço nos conhecimentos de genética, os genes passaram a ser o centro deste universo e as mutações nas suas sequências a ser a grande força geradora de diversidade dos organismos. A dedicação destes cientistas para difundir estas idéias foi muito importante para a aceitação que temos hoje em dia sobre a teoria evolutiva. Mas como toda teoria esta também possuia seus furos que foram percebidos ao longo da história e ignorados gracas ao poder de convencimento da infalibilidade da teoria. Um dos furos é o fenômeno de canalização proposto por Conrad Waddington em 1942 (esse cara aqui em cima, cheio de marra, mas ele podia)

Vou resumir aqui o que o Waddington falou mas sugiro fortemente a leitura do artigo original que vocês podem encontrar de graça aqui. O Waddington observou que algumas características não podem ter a sua origem explicada pela seleção de mutações que apareceram ao acaso. Como exemplo, ele utilizou o avestruz. Acontece que o avestruz possui diversos calos pelo corpo nos pontos em que ele usa de apoio quando esta descansando, como um no peito cobrindo o externo. Segundo a teoria neodarwinista, este animal foi selecionado de maneira que sua pele responde ao atrito gerado engrossando. Mas o problema é que os embriões de avestruz já possuem este calo dentro do ovo. Este seria um caso em que uma característica apareceu claramente graças a um estímulo ambiental mas com o passar das gerações teve o seu desenvolvimento selecionado para acontecer independente do estímulo. A este fenômeno ele deu o nome de canalização. Então, canalização é o mecanismo utilizado pelos organismos que garante que um caminho de desenvolvimento seja seguido independente de variações ambientais. Uns anos mais tarde, o próprio Waddington mostrou isso acontecendo. Ele pegou as moscas-de-fruta Drosophila melanogaster e comecou a induzir defeitos nas veias das suas asas através de um choque térmico nos embriões. Então ele comecou a cruzar essas moscas defeituosas entre si simulando uma seleção desta caracetrística. Depois de algumas gerações de cruzamentos, ele observou que mesmo sem dar o choque térmico as mosquinhas nasciam com os defeitos. E isso aconteceu em mais de uma mosquinha de uma vez. Lembrem-se que se por acaso esse fenômeno fosse dependente de uma mutação este ocorreria em uma só mosquinha. Mas não, o Waddington conseguiu mudar o desenvolvimento que estava canalizado para veias normais para veias defeituosas em boa parte de uma geração. O caminho que levava ao desenvolvimento deste defeito estava lá escondido na população. Estes animais estavam canalizados para desenvolver as veias mesmo com uma certa variação de temperatura e a variação genética da população. Mas quando ele deu o choque térmico ele conseguiu quebrar esse tamponamento e após algumas gerações canalizar o desenvolvimento para outro caminho. Então, houve a aquisição de uma informação ambiental que foi assimilada por esta população e herdada pelos seus descendentes. O Waddington chamou de assimilação genética a aquisição deste fenótipo induzido inicialmente pelo ambiente.

Eu vou falar em outros posts sobre mecanismos moleculares de herança de caracteres adquiridos. Na verdade eu falei disso nesse post aqui mas existem outros mecanismos interessantes pra discutir.

Leitura sugerida:

O artigo em que o Waddington mostrou a assimilação genética:
http://www.jstor.org/stable/2405747

Esse artigo vocês vão ter que pagar pra baixar mas tem uma boa discussão feita pelo Waddington aqui, e de graça.