quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Como fazer um super soldado, um segredo de milhões de anos




Se vocês tão achando que dessa estufa ai na foto vai sair um super-herói tipo o Capitão América desistam, quem detém o segredo de como fazer um super soldado são as incríveis formigas. Essa é a estufa aonde o grupo do professor Abouheif (aquele ali na esquerda) mantém 10 espécies dessas pequenas do gênero Pheidole na Universidade McGill, em Montreal. Eu trouxe esse exemplo aqui porque o surgimento de super soldados nessas formigas é um exemplo de acomodamento genético, um conceito que eu venho discutindo aqui faz um tempo.

Nós todos sabemos que as sociedades das formigas são organizadas em castas. Todas as espécies fazem rainhas, que geralmente tem asas, e operárias, sempre sem asas. O gênero Pheidole ainda desenvolveu uma divisão entre as operárias com operárias menores, que fazem a maior parte do trabalho no formigueiro e saem pra procurar comida, e as soldado, que protegem o formigueiro e processam comida. Algumas espécies no norte do México e no estado americano do Arizona, ainda possuem uma terceira subcasta de operárias, as super soldado, que possuem a cabeça significativamente maior que a soldado e tem um cotoco no lugar das asas, chamadas asas vestigiais (vejam a foto aqui em baixo com operárias, as menores, as soldado, intermediárias, e as super soldado, com a cabeça gigante). A grande descoberta deste grupo foi que há uma espécie de Pheidole no estado de Nova York, isso é, muito distante dessas espécies que ocorrem mais próximas a fronteira com o México, que também produzem formigas com características de super soldado, como a cabeça e o corpo muito maior que a de um soldado e a asa vestigial, só que muito raramente, esse fenótipo é considerado uma anomalia pra essa espécie. A distância geográfica entre estas espécies sugeria que este era um caso de evolução convergente, onde os super soldados apareceram de forma independente pelo menos duas vezes. Além disso, eles mostraram que dentro da árvore filogenética do grupo as espécies que fazem super soldados estão separadas e não tem um ancestral comum só delas.


Mas então, se as espécies criaram super soldados independentemente será que o caminho do desenvolvimento é o mesmo? A decisão entre o desenvolvimento de operária e soldado é regulado pela nutrição que por sua vez regula a produção de hormônio juvenil (HJ). Eles então mostraram que o fenótipo de super soldado que é muito raro nessa espécie de Nova York, P. Morrisi, pode ser induzido em grandes quantidades com o tratamento das larvas com o análogo de HJ, o metoprene, após a sua decisão por serem soldados. Existem então dois pontos de decisão, um primeiro entre soldado e operária, e um segundo entre soldado e super soldado. E eles mostraram que conseguiam induzir super soldados em outras duas espécies que não os produzem normalmente. Assim, por mais que muitas destas espécies de formigas não desenvolvam uma subcasta de super soldados, a informação para o caminho de desenvolvimento está em algum lugar escondido e sendo herdada a milhões de anos.

É muito comum ouvir que no caso de características que aparecem paralelamente em grupos separados filogeneticamente, que estas teriam aparecido por evolução convergente, que indica a idéia de que esta teria surgido independentemente pelo menos duas vezes. Mas no caso dos super soldados de Pheidole os dados levam a uma diferente explicação. Esse gênero teve um ancestral comum aonde surgiram os super soldados, a expressão desse fenótipo desapareceu durante a história do grupo mas não a informação para tal. Assim, algumas espécies próximas a fronteira entre os Estados Unidos e o México encontraram um pressão semelhante que as levou a re-expressar o fenótipo de super soldados. Então, o surgimento de super soldados nesta região não apareceu graças a uma nova mutação e sim através da plasticidade dos mecanismos de regulação do aparecimento do fenótipo, mecanismo conhecido por acomodamento genético. No acomodamento genético, por a via estar sendo herdada continuamente, pode-se induzir o seu aparecimento mesmo que a espécie não o faça naturalmente. E por ser independente de uma nova mutação a indução pode ser feita em muitos indivíduos de uma vez e não em um só indivíduo (Vejam também aqui o texto sobre o primeiro a propor o conceito de acomodamento genético, Conrad Waddington).

Esta é uma bela demonstração de que a heranca da informação para o desenvolvimento de fenótipos silenciados na história da espécie é uma boa fonte de variação que pode levar ao surgimento em paralelo das mesmas características em grupos separados. Esse também é uma bom exemplo de como são valiosos os dados obtidos sobre o desenvolvimento da espécie para traçar a sua história.

O link para o artigo original.

No site da Science tem uma entrevista bem legal com o Dr.Abouheif.